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Trabalho: Fazer o que se gosta X gostar do que se faz

trabalho feliz
A escolha de uma profissão é o primeiro calvário de todo adolescente.
Muitos tios, pais e orientadores vocacionais acabam recomendando “fazer o que se gosta”, um conselho confuso e equivocado.

Nenhuma empresa paga o profissional para fazer o que os funcionários gostam que normalmente é jogar futebol, ler um livro ou tomar chope na praia.
Justamente, paga-se um salário para compensar o fato de que o trabalho é essencialmente chato.
Mesmo que você ache que gosta de algo no início de uma carreira, continuar a gostar da mesma coisa 25 anos depois não é tão fácil assim. Os gostos mudam, e aí você muda de profissão em profissão?
As coisas que eu realmente gosto de fazer, eu faço de graça, como organizar o Prêmio Bem Eficiente; ou faço quase de graça, como escrever artigos para a imprensa.
Eu duvido que os jogadores profissionais de futebol adorem acordar às 6 horas todo dia para treinar, faça sol, faça chuva. No fim de semana eles jogam bilhar, não o futebol que tanto dizem adorar.
O “ócio criativo”, o sonho brasileiro de receber um salário para “fazer o que se gosta”, somente é alcançado por alguns professores de filosofia que podem ler o que gostam em tempo integral. Nós, a grande maioria dos mortais, terá que trabalhar em algo que não necessariamente gostamos, mas que precisará ser feito. Algo que a sociedade demanda.

Toda semana recebo jovens que querem trabalhar na minha consultoria num projeto social. “Quero ajudar os outros, não quero participar deste capitalismo selvagem”. Nestes casos, peço para deixarem comigo seus sapatos e suas meias, e voltarem a conversar comigo em uma semana.
Normalmente nunca voltam, não demora mais do que 30 minutos para a ficha cair.
É uma arrogância intelectual que se ensina nas universidades brasileiras e um insulto aos sapateiros e aos trabalhadores dizer que eles não ajudam os outros. O que seria de nós se ninguém produzisse sapatos e meias, só porque alguns membros da sociedade só querem “fazer o que gostam?”
Quem irá retirar o lixo, que pediatra e obstetra atenderá você às 2 da madrugada? Vocês acham que médicos e enfermeiras atendem aos sábados e domingos porque gostam?
Felizmente para nós, os médicos, empresas, hospitais e entidades beneficentes que realmente ajudam os outros, estão aí para fazer o que precisa ser feito, aos sábados, domingos e feriados. Eu respeito muito mais os altruístas que fazem aquilo que precisa ser feito, do que os egoístas que só querem “fazer o que gostam”.
Teremos então que trabalhar em algo que odiamos, condenados a uma vida profissional chata e opressora?

A saída é aprender a gostar do que você faz, em vez de gastar anos a fio mudando de profissão até achar o que você gosta. E isto é mais fácil do que você pensa. Basta fazer o seu trabalho com esmero, um trabalho super bem feito. Curta o prazer da excelência, o prazer estético da qualidade e da perfeição.

Se quiser procurar algo, descubra suas habilidades naturais, que permitirão fazer seu trabalho com distinção e que o colocarão à frente dos demais.
Sempre fui um perfeccionista. Fiz muitas coisas chatas na vida, mas sempre fiz questão de fazê-las bem feitas. Sou até criticado por isto, demoro demais, vivo brigando com quem é medíocre, reescrevo estes artigos umas 40 vezes para o desespero dos editores, sou super exigente, comigo e com os outros.
Hoje, percebo que foi este perfeccionismo que me permitiu sobreviver à chatice da vida, que me fez gostar das coisas chatas que tenho de fazer.

Se você não gosta do seu trabalho, tente fazê-lo bem feito. Seja o melhor na sua área, destaque-se pela sua precisão. Você será aplaudido, valorizado, procurado e outras portas se abrirão. Você vai começar a gostar do que faz, vai começar até a ser criativo, inventando coisa nova, e isto é um raro prazer.
Faça o seu trabalho mal feito e você estará odiando o que faz, a sua empresa o seu patrão, os seus colegas, o seu país e a si mesmo.
Este é na minha opinião, o problema número 1 do Brasil. Fazemos tudo mal feito, fazemos o mínimo necessário, simplesmente porque não aprendemos a gostar do que temos de fazer e não realizamos tudo bem feito, com qualidade e precisão.

(Por Stephen Kanitz, formado em Administração de Empresas por Harvard e Articulista da VEJA)

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